Com a operação da planta de gasolina automotiva da Refinaria Potiguar Clara Camarão (RPCC), implantada no polo de Guamaré, desde setembro o Rio Grande do Norte passou a ser autossuficiente em todos os combustíveis derivados do petróleo. As distribuidoras repassam o combustível aos postos de gasolina com o segundo menor preço do Nordeste. Apesar dessas facilidades, Natal possui a terceira gasolina mais cara da região. Atualmente, quase todos os postos vendem o litro do produto a R$ 2,79. Porque isso acontece? Donos de postos se negam a falar e o assunto foi parar no Ministério da Justiça. A Secretaria de Direito Econômico já investiga uma possível formação de cartel na cidade.
adriano abreu
Pelas ruas da cidade ainda é possível encontrar postos vendendo gasolina a R$ 2,66 - uma diferença de R$ 0,26 com relação ao preço cobrado na maioria dos postos
Dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP) mostram que não houve variação significativa no preço da gasolina repassado pelas distribuidoras aos empresários nas últimas duas semanas. Apenas o etanol sofreu leve acréscimo no preço. A desculpa para o aumento nas bombas está aí. A gasolina consumida pelos carros é a do tipo “C” (com adição de 25% de etanol). Mas de acordo com o economista Aldemir Freire, a justificativa usada pelos donos de postos não é aceitável. “Quando o posto compra a gasolina, já compra com a adição do etanol. Então o valor já está embutido. O aumento no preço da gasolina não pode ser justificado pelo o aumento do preço do etanol”, explica.
Geralmente, o aumento nos preços de combustíveis pega os consumidores de surpresa. Não é comum que haja um aviso prévio e motoristas só ficam sabendo do acréscimo quando já estão no posto. É o caso do industriário Heraldo Medeiros. Na última quinta-feira, ele foi encher o tanque do carro em um posto localizado no Centro da cidade. Quando foi pagar a conta, se surpreendeu. “Nem sabia que tinha aumentado. É a primeira vez que abasteço, nessa semana, e não prestei atenção no valor da gasolina”, afirma.
Para Aldemir Freire, é, no mínimo, estranho que todos os postos passem a cobrar o mesmo valor ao mesmo tempo. Para ele, seria mais aceitável que os preços fossem aumentando gradativamente. “As variações ocorrem da noite para o dia. É estranho você ir dormir com um preço de gasolina e acordar com outro valor em todos os postos. A ‘mão invisível’ do mercado age com muita rapidez em Natal”. Além disso, o economista explica que a diferença mínima e máxima entre os preços cobrados, em Natal, é a menor entre todas as capitais. “A diferença é em torno de somente R$ 0,04. Na vizinha João Pessoa, essa diferença sobe para R$ 0,35. Ou seja, há uma dispersão de preço maior, é sinal que lá, a concorrência é mais elevada”, diz.
O economista Aldemir Freire compara os custos com a capital da Paraíba. “Os donos de postos da capital potiguar compram a segunda gasolina mais barata, só perde para João Pessoa/PB. No entanto, o consumidor natalense paga a terceira gasolina mais cara entre as capitais da região. E isso não é uma situação pontual, pelo menos nas últimas quatro semanas vem acontecendo isso. A gasolina de Natal é cara, mas não é cara porque os postos compram caro”, sentencia. Segundo dados da ANP, a gasolina distribuída para os postos de Natal é a segunda mais barata entre as capitais do Nordeste.
Além de pagar por um produto mais barato, os empresários do setor contam ainda com a produção interna de todos os derivados do petróleo, o que joga ainda mais lenha na discussão sobre o valor do combustível praticado pelos postos da cidade.
Ministério vai investigar mercado
A igualdade dos preços cobrados praticamente entre todos os postos de combustível em Natal, além dos constantes reajustes sem uma justificativa plausível, fazem com que consumidores desconfiem da ação dos empresários do setor. Na última semana, quando o preço da gasolina bateu os R$ 2,79, muitos motoristas demonstraram revolta e usaram as redes sociais para protestar. Nas ruas, o descontentamento era visível na hora de pagar a conta. A ideia de que existe um cartel na cidade, logo surge quando os aumentos são anunciados. A Promotoria de Defesa do Consumidor acompanha o caso desde o final de 2008. Nos próximos dias, quem deve entrar no circuito é o Ministério da Justiça.
De acordo com o promotor de Defesa do Consumidor, José Augusto Peres, existe um inquérito instaurado na Promotoria que colhe informações sobre a formação do preço de combustível em Natal. Na próxima quinta-feira, Peres irá à Brasília para pedir celeridade à Secretaria de Direito Econômico (SDE), órgão vinculado ao Ministério da Justiça responsável por apurar denúncias de formação de cartel em todo o país.
O promotor deixa claro que, por enquanto, a investigação será com relação a formação dos preços. Não há denúncia formal com relação à prática do crime. “O leigo tem a percepção de que cartel é apenas a unificação de preço. A lei exige uma série de outros requisitos para a configuração do cartel. É claro que a igualdade, semelhança dos preços é aquilo que salta mais aos olhos dos consumidores, mas existem outros requisitos mais difíceis de se reconhecer”, explica.
Entre os outros fatores que podem configurar formação de cartel, informa Augusto Peres, há o lucro decorrente daquele preço. “Se temos uma semelhança de preço mas todo mundo está no prejuízo ou ganhando muito pouco, não se pode falar de cartel. Além disso, há a questão da repercussão geográfica dos que estão praticando o mesmo preço têm no mercado, ou seja, num universo de pouco mais de cem postos, se você tem dois ou cinco, na mesma avenida, que combinaram o preço, essa combinação não tem repercussão pro todo. É só eu abastecer em outra rua”.
Para o economista Aldemir Freire, o mercado de Natal não pode ser estudado como um caso único. “Natal não pode ser tratado como um mercado só. Há um mercado relevante formado pelos postos localizados nas avenidas centrais (Prudente de Morais, Jaguarari, Salgado Filho, Roberto Feire, BR-101 e um pouco de Parnamirim – Maria Lacerda, Abel Cabral e Ayrton Senna). Nesses locais, a gasolina geralmente tende a ser mais cara. Outro mercado é o da zona Norte, Rocas e Felipe Camarão”, diz. Segundo Freire, os técnicos da SDE, quando chegarem à Natal, podem ter dificuldade de detectar essa realidade.
O promotor José Augusto Peres não sabe informar quando o estudo será iniciado. “São muitos casos. Ontem falei com eles, mandei e-mail, e eles confirmaram que darão início aos estudos sobre essa nova formação de preço mas não disseram exatamente quando”, relatou.
Em caso de confirmação de cartel, os empresários podem sofrer algumas penalidades. “Podem sofrer punição administrativa com pagamento de multa imposta pela SDE, podem responder uma Ação Cívica Pública, por parte do Ministério Público, para cobrar os prejuízos que causaram à sociedade em razão dessa composição de preços mais elevados do que seria justo e aceitável e poderão, inclusive, responder um Ação Penal”, explica Peres.
Foi o aconteceu em Recife/PE e em João Pessoa/PB. Nesta, um empresário denunciou ao Ministério Público a formação de cartel na cidade. Os promotores apuraram o caso e confirmaram a denúncia. Os empresários foram penalizados e quem ganhou foram os consumidores. “Depois da denúncia, a concorrência aumentou e atualmente a diferença de preço entre um posto e outro pode chegar a R$ 0,34”, diz Aldemir Freire.
Um dono de posto que não quis se identificar, disse a nossa reportagem que já sofreu ameaças porque não acompanhou o aumento dos demais postos. Em redes sociais da internet, usuários reforçam a tese de que isso acontece na cidade. Porém, para o promotor Augusto Peres, o assunto não passa de “lenda urbana”. “Nunca nenhum empresário chegou aqui na promotoria relatando um caso desse. Se existe essa pessoa, peço que entre em contato comigo que farei todo o possível para lhe assegurar proteção para ouvir a denúncia”, diz.
Alguns postos continuam cobrando preços antigos. Na Ribeira e Praia do Meio, a TRIBUNA DO NORTE encontrou três postos cobrando R$ 2,66 pelo litro de gasolina. Um dos arrendatários nos informou que irá manter o preço até receber uma nova remessa do combustível [leia ping-pong]. Para o consumidor, a regra básica de pesquisar antes de encher o tanque, continua valendo.
Distribuição
Atualmente, o RN consome cerca de 33 mil metros cúbicos de gasolina por mês. Antes da implantação da refinaria da RPCC, antes de cair nos tanques dos carros da capital, a gasolina vinha de uma refinaria de outro estado e era descarregada na base da Petrobras em Santos Reis. O combustível seguia para Guamaré – localizada a 165 quilômetros de Natal – e lá era repassado às distribuidoras. Só então a gasolina
voltava para Natal. Hoje, a situação é diferente. “Agora a gasolina é produzida em Guamaré e distribuída para todo o estado. Então houve redução de custos. Essa redução pode ficar com a Petrobras, distribuidoras, postos ou consumidores. Não sei com quem ficou. Só não foi com o consumidor final. Não me pergunte o porquê”, diz Aldemir Freire.
De acordo com o Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo do Rio Grande do Norte (Sindipostos/RN), “a definição de preço é livre e atribuição de cada revendedor, que define sua tabela de custos”. Entre os custos, está o preço pago às distribuidoras.
bate-papo: » Daniel Medeiros dono de posto de gasolina
Há quanto tempo você está vendendo gasolina a R$ 2,66?
Faz um bom tempo. Consigo vender nesse preço porque ainda tenho estoque antigo. Não comprei gasolina com o preço novo das distribuidoras, mas acho que vou ter que aumentar.
O aumento será para R$ 2,79?
Não. Só posso definir o preço quando receber a nota da distribuidora, mas acho que não chega a esse valor. Porém o etanol deve sofrer um reajuste maior. Não dá para dizer qual preço vou cobrar, depende muito do quanto vou pagar à distribuidora. Mas é certo que não vou colocar o mesmo preço que a maioria está cobrando.
O seu posto é um dos que está vendendo gasolina mais barato nesses dias. Notou um aumento no fluxo de clientes?
Sim. Aumentou um pouco, coisa de 10%.
É possível ter lucro com o preço abaixo da concorrência?
Isso depende muito do quanto vamos pagar às distribuidoras. Tento sempre ter um preço abaixo da média para me manter no mercado.
Enquete » Na sua opinião, porque a gasolina em Natal é tão cara?
Luiz Ricardo, Autônomo:
“Essa é uma boa pergunta. Viajo muito ao interior do estado e em cidades como Currais Novos e Jardim do Seridó a gasolina é mais barata. Como pode, Natal, que é a capital, ser mais caro? Acho muito estranho. Aqui era para ser mais barato. Não sei explicar isso”
Francisco Ferreira,Autônomo:
“Esses aumentos são abusivos. Acho que os donos de postos estão assistindo televisão demais e estão assustados com esses problemas que acontecem nesses países que têm petróleo.. Não pode ser assim. Acho que tem cartel em Natal. Tem gente que, mesmo sem querer aumentar os valores, se ver obrigada a fazer isso.”
Nilson Nascimento, Militar:
“A gasolina em Natal é cara sim e não sei como está o preço em outras capitais para comparar. Na verdade nem sabia desse novo aumento. Gasto em média R$ 400,00 por mês com combustível para meu carro. Não sei dizer como eles chegam a esses novos valores.”
João Batista de Lima, Médico:
“Essa pergunta é difícil de explicar. Eu acho que o preço da gasolina aumenta por causa dos impostos embutidos no produto. Mas acho um absurdo nosso estado ser um dos maiores produtores de petróleo e os consumidores pagarem tão caro. Acho que o Ministério Público deveria investigar se existe ou não um cartel”
Juliano Sammy, Administrador de empresas:
“A gasolina é cara porque tudo que pagamos é caro mesmo. Quando acontecem esses aumentos não podemos fazer nada. O máximo é procurar um posto que venda mais barato, mas aí que complica, porque existe esse cartel dos postos. Toda semana gasto entre R$ 70,00 e R$ 80,00. É muito caro”
Roberto Lucena - Repórter
Jornal Tribuna do Norte
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