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quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Casal que perdeu cinco filhos em acidente de canoa em Assu conta como é rotina de sofrimento nove anos depois

1º de julho de 2002, aproximadamente 16h30. Data que ficará marcada para sempre na vida do casal Francisco de Assis Morais, 51, e Maria Rejane da Silva, 33. Foi neste dia, mês, ano e horário que um acidente envolvendo uma canoa no rio Piranhas/Açu teve como consequência a morte por afogamento de seis, do total de 10, tripulantes da embarcação. Entre as vítimas, cinco eram filhos do casal citado, que presenciou naquele momento uma tragédia que mudaria para sempre o rumo de suas vidas. No acidente Francisco e Rejane perderam de uma só vez todos os seus filhos, que eram todos crianças, sendo o mais velho de sete anos e o mais novo de apenas dois. Hoje, nove anos depois da tragédia, o casal conta com detalhes tudo o que aconteceu naquele dia que jamais saiu de suas lembranças. Eles relatam como tiveram suas vidas modificadas por este episódio e como é a rotina desde então. Uma história que, em um único dia, passou de uma família alegre composta por sete pessoas para uma realidade marcada vivenciada por um casal composta por lembranças tristes, sofrimento e dor.
Ainda com muita dificuldade de falar sobre a tragédia, o casal fez um relato emocionante de como vive hoje, à sombra de um pesadelo. “Eu não gosto de falar sobre isso, me traz muita dor e tristeza e pior que perder cinco filhos de uma só vez é ouvir até hoje das pessoas que eu fui o culpado por tudo. Até hoje sou tachado de assassino e as pessoas não respeitam o nosso sofrimento”. O desabafo é de Francisco de Assis (pai), mais conhecido em Assu pelo apelido de “Chico de Melé”. Apesar da dificuldade em falar sobre o caso, ele aproveitou a oportunidade para dizer tudo o que sente desde que tudo aconteceu.  Francisco relembrou o dia do acidente e contou que ele, a esposa e os cinco filhos de Rejane e mais um filho mais velho do primeiro casamento e uma jovem retornavam para casa em Assu, de um pequeno sítio que possuía às margens da Barragem Armando Ribeiro Gonçalves, no povoado de Torrões, município de Itajá. Segundo ele, era final de tarde do dia 1º de julho de 2002, quando decidiram fazer a travessia para Ilha de Piató e retornar para Assu com a família por que havia acabado as férias das crianças que passaram uma semana inteira no sítio em companhia da mãe (Rejane).  No dia do acidente, Francisco disse que havia feito uma pequena comemoração em família no sítio e confessou que havia bebido um pouco, mas não estava embriagado, ao contrário do que foi divulgado insistentemente em vários veículos de comunicação da região. O evento contou com as presenças de um filho mais velho do primeiro casamento, Francinélio de Lima Morais, à época com 25 anos, que estava em companhia da Jovem Roseane de Oliveira, 19, com quem mantinha um relacionamento amoroso, que também morreu na tragédia.  O transporte de uma margem a outra do rio, do Sítio Torrões a Ilha de Piató, era feito através de canoa, no dia do acidente o canoeiro responsável pela condução da embarcação foi Antônio Fernandes Batista, mais conhecido como “Chico Piató”. Após a tragédia, o canoeiro foi responsabilizado pelo acidente e se encontra desaparecido desde o ocorrido.  Rejane (mãe) contou com detalhes como foi aquela tarde de desespero. “Quando nós entramos na canoa estava ventando muito e tinha muita marola no rio e já ficamos com medo. Pedimos por várias vezes a Chico Piató (canoeiro) para voltar porque tava perigoso, mas ele não atendia o nosso pedido. Começou a entrar água na canoa e meu marido pulou na água para diminuir o peso, em seguida o filho dele (Francinélio) também pulou e eles pediam para o canoeiro pular também e ajudar a volta a canoa pra margem, mas ele insistiu em seguir e de repente a canoa afundou”, relatou.  De acordo com Rejane, cada detalhe do acidente ainda está muito presente em sua memória e a dor e o sofrimento fazem parte do seu dia a dia. “Eu me lembro como se fosse hoje dos meus filhos segurando em mim, puxando meus cabelos querendo se apoiar em mim e eu nada podia fazer para impedir que eles afundassem. A minha vida acabou ali, quando vi todos os meus filhos mortos e não há um dia, desde que tudo aconteceu, que eu não chore por eles”, detalhou.  Além dos cinco filhos do casal, a jovem Roseane de Oliveira, 19, também se afogou e do grupo de dez, apenas sobreviveram quatro pessoas. A tragédia foi noticiada em todos os veículos de comunicação do Estado. Durante muito tempo a tragédia foi o principal assunto dos noticiários e muitas versões foram divulgadas, inclusive com graves acusações aos próprios pais das crianças de que os dois estavam embriagados e que haviam contribuído para que o acidente acontecesse.
Casal cumpre ritual de visita diária ao cemitério
Com a tragédia do dia 1º de julho de 2002, toda a rotina do casal Francisco de Assis Morais e Rejane Silva foi modificada. Uma casa que antes tinha como “trilha sonora” gritos, correria, brincadeiras e muita bagunça promovidos por cinco crianças: Jéssica Nayara de Morais, 7; Jefferson Alan de Morais, 6; Jean Carlos de Morais, 5; Jachson Antunes de Morais, 4; e Francisco Filho de Morais, 2; deu lugar ao silêncio da saudade. Rejane conta que cada canto da casa lembra os filhos, e para compensar a ausência, fotos dos filhos, ladeadas por imagens de santos, compõem a decoração da casa.  Rejane ressalta que não tem mais alegria e único conforto para ela é o ritual de visitas feitas diariamente aos túmulos dos filhos no cemitério. Os túmulos recebem uma atenção toda especial do casal. Rodeado de flores, naturais e artificiais, com estrutura em pedra de mármore na cor branca e como decoração principal cinco cruzes com os nomes e idades de cada um. Na lateral do túmulo existem dois bancos, também em mármore, e ao centro dos túmulos, uma foto dos cinco filhos em uma moldura feita especialmente para a decoração do local.  Segundo Rejane, todos os dias, no fim da tarde ela e o esposo vão ao cemitério. Segundo ela, eles ficam lá algumas horas conversando com filhos, acendendo velas e fazendo limpeza no local quando tem alguma sujeira. “Às vezes quando não consigo ficar em casa e a saudade tá muito forte, vou até o cemitério e fico lá conversando com meus filhos”, declarou.
VIDA SOCIAL – Há nove anos, a vida do casal se resume a ficar em casa, onde Rejane cuida dos afazeres domésticos e Francisco faz trabalhos como soldador numa pequena oficina improvisada na parte da frente do imóvel. Rejane contou que deixou de ir a locais onde tem muita gente, não ouve música, não frequenta mais eventos sociais. “O único local pra onde saio, além do cemitério, é para o Canindé todo mês de dezembro, porque sou devota de São Francisco”, disse.  A vida de Francisco de Assis (pai) não é diferente. Ele revelou que antes da tragédia costumava sair para diversão com os amigos e gostava de beber. “Depois que tudo isso aconteceu, nunca mais bebi e nem saio mais de casa, a não ser para o cemitério e faço a viagem pro Canindé com a mulher”, ressaltou. A morte trágica dos cinco filhos de uma só vez trouxe para o casal problemas de saúde que exigem a ingestão diária de medicamentos de uso controlado. Segundo eles, a medicação é uma grande aliada. “Nós tomamos remédio controlado e é só assim que conseguimos dormir desde que tudo aconteceu”, explicou Rejane.
SONHOS – Rejane confessou também que sonha muito com os filhos e ressalta que nos seus sonhos eles estão sempre vivos e sorrindo. “Eu nunca sonhei com eles mortos. Nos sonhos eles estão igualzinho como eram”, detalha. Contou ainda que a presença dos filhos continua tão presente em sua vida que já teve visões em casa. “Eu já vi meu filho mais velho (Jean) aqui dentro de casa me dizendo: Mãe, não chore, mas eu não consigo deixar de sentir falta deles nem por um minuto”, concluiu.
Datas comemorativas: sinônimo de muita tristeza, Rejane comentou que os dias de maior sofrimento tanto pra ela quanto para o marido são: 1º de julho (data da tragédia), Dia de Finados, dia do aniversário da cada um dos filhos, Natal, Dia das Mães, Dia dos Pais, Dia das Crianças. “Todas estas datas são de muito sofrimento para nós. É quando mais ficamos tristes e sentimos falta de nossos filhos”, revelou.  Para compensar a falta dos filhos, Rejane disse que chegou a comprar presentes e distribuir no Dia das Crianças, mas depois desistiu da ideia por perceber que essa atitude a fazia sofrer mais. “Não há nada que eu possa dizer hoje que me faça feliz, porque tudo que eu queria era ter meus filhos comigo e sei que isso não é possível”, comentou.  No dia do aniversário de casa um dos cinco filhos, Rejane revelou que junto com o marido compram flores e vão deixar no túmulo. “Presentear nossos filhos com flores é tudo que podemos fazer agora”, disse. No Dia de Finados é também um dia diferente para o casal. Eles contaram que passam o dia todo no cemitério neste dia. “Nós montamos uma barraca e ficamos lá o dia todo, e até hoje ainda ouvimos as pessoas nos culpando pela morte dos nossos filhos, mas quando alguém fala alguma coisa, ficamos apenas sofrendo calados. Ninguém é capaz de entender o nosso sofrimento”, desabafa Rejane.
Resgate dos corpos durou dois dias e parou a cidade
O acidente aconteceu no dia 1º de julho 2002. A partir do momento em que as autoridades tomaram conhecimento do fato foi iniciado o trabalho de busca às vítimas. Foram aproximadamente 14 horas de trabalho até que todos os corpos fossem resgatados e enviados para exames no Instituto Técnico-científico de Polícia (ITEP) de Mossoró. A operação de resgate das vítimas do naufrágio contou com 13 homens do Corpo de Bombeiros de Mossoró e Natal, além de mergulhadores profissionais contratados para o trabalho e muitos voluntários que incluiu pescadores da região. As buscas pelos corpos foram iniciadas ainda na noite do dia 1º (dia da tragédia), pelos próprios pescadores. Já era 1h30 da madrugada do dia 2, quando o primeiro corpo foi encontrado. Era o pequeno Francisco Filho de Morais, 2, o caçula do casal Francisco de Assis Morais, 51, e Maria Rejane da Silva, 33. As buscas continuaram, mas somente na tarde do dia 2, o restante dos corpos foi localizado. O segundo corpo a ser resgatado foi da menina Jéssica Nayara de Morais, 7. Quarenta minutos depois foi localizado o corpo de Jackson Antunes de Morais, 4, em seguida foi a vez de resgatar o corpo de Jefferson Alan de Morais, 6. O corpo da jovem Roseane de Oliveira, 9, foi encontrado às 14h30, e por último foi resgatado o corpo do quinto filho do casal, Jean Carlos de Morais, 5. O sepultamento das seis vítimas da tragédia aconteceu na manhã do dia 3 de julho de 2002. O cortejo reuniu uma verdadeira multidão e foi marcado por muita emoção.
DIFICULDADES – À época, o caso foi acompanhado pelo comandante do 10º Batalhão de Polícia Militar de Assu, tenente-coronel Luciano Queiroz, que se deparou com muitas dificuldades enfrentadas pelas equipes de resgate. Na ocasião, o Corpo de Bombeiros não dispunha de equipamentos adequados para mergulho, necessários para o local onde o acidente aconteceu que apresentava águas profundas e de cor escura. Os únicos equipamentos usados pelo grupo de resgate do Corpo de Bombeiros foram bóias e pés de pato. Os profissionais não contavam com máscaras, óculos e cilindros para mergulhar, o que dificultou muito o trabalho das equipes. A dificuldade foi tanta que houve a necessidade de contratar mergulhadores profissionais.  Praticamente toda a cidade se concentrou às margens da Barragem Armando Ribeiro Gonçalves para acompanhar o resgate dos corpos. A tristeza e a perplexidade diante de tamanha tragédia eram visíveis no rosto de cada um. Porém, o mais marcante nesta história trágica foi o desespero dos pais que relutavam em acreditar que estavam presenciando a morte dos cinco filhos de uma só vez. Um desespero que parece acompanhá-los até hoje, nove anos depois.

Fotos – Wilson Moreno – GAZETA DO OESTE

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